O poder da comunicação popular e indígena
Por Jessica Mota, gerente do Laboratório de Comunicação Énois, de Belém.
Indígenas acompanham votação pela revogação da Lei 10.820 na Alepa / Foto: Nay Jinknss
Depois de 30 dias mobilizados em ocupação na sede da Secretaria de Educação do estado do Pará, em Belém, e na BR-163, no oeste do estado, os Arapiuns, Borari, Maitapu, Munduruku, Tembé, Tupinambá, entre outros povos, educadoras e educadores, comunicadoras e comunicadores populares, venceram.
No começo de janeiro, chegaram ao prédio da Seduc com uma reivindicação clara: a revogação da Lei 10.820/2024, aprovada em dezembro do ano passado, e a demissão do atual secretário, Rossieli Soares, que já foi Ministro da Educação durante o governo Temer e secretário da educação em São Paulo durante a gestão de João Dória. Na manhã de 12 de fevereiro, a lei foi revogada.
A proposta havia sido feita sem discussão e aprovada pela Assembleia Legislativa do Pará. Em dezembro, as primeiras manifestações de professores foram reprimidas pela polícia. Ao movimento do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Pará (Sintepp), juntou-se a força do movimento indígena.
No ano em que Belém sedia a Conferência do Clima, a batalha se estendeu ao campo narrativo. O grupo de Barbalho controla os maiores grupos de mídia do Pará e canais de comunicação públicos e virtuais, incluindo redes sociais da prefeitura e do governo do estado. Além disso, o governador é irmão do Ministro das Cidades.
Desde o início da ocupação, uma máquina de desinformação passou a operar, envolvendo até algumas lideranças indígenas diferentes das ocupantes da Seduc. A estratégia era dividir o movimento indígena e passar a imagem de que o governo estava em diálogo com o movimento de ocupação, o que não era verdade. O governo convidou outras lideranças, tentando apaziguar a situação.
Essa desinformação pode ser constatada numa análise das poucas matérias publicadas n’O Liberal e n’O Diário do Pará sobre a mobilização popular em Belém e divulgadas pelo perfil do governador no Instagram, indicando apoio ao governo. Uma análise das contas do Instagram do governador e do governo do estado, bem como comentários de robôs em publicações de comunicadores indígenas e populares, revela essa estratégia. Rendeu até uma ação civil pública contra o governo do Pará para remover informações falsas do perfil do governador, movida pela Defensoria Pública da União.
Destaco aqui dois momentos: 1) a tentativa de apaziguamento que é retratada na foto de capa do Diário do Pará em que as pessoas indígenas têm expressão oposta à do governador, com o rosto pintado; e nesta matéria n’O Liberal); e 2) o compromisso com a revogação da lei é retratado aqui e aqui com títulos que colocam o governador no centro do acontecimento e imagens em que ele abraça uma das principais lideranças do movimento de ocupação da Seduc, Alessandra Korap.
A comunicação das lideranças indígenas e comunicadores populares foi crucial para combater mentiras e pressionar o governo. Mostraram a articulação do movimento indígena, com a participação de professores, lideranças, anciãos, crianças, homens e mulheres.
A ocupação na sede da Seduc em Belém, documentada diariamente por Alessandra Korap desmentiu informações de depredação - uma das justificativas para o pedido de reintegração de posse feito à Justiça Federal pelo governo federal – suspenso desde o dia 31 de janeiro.
A fotógrafa Nayara Jinkss, uma das várias comunicadoras presentes, documentou diariamente a ocupação, em vídeos, fotos, falas em reuniões e entrevistas com lideranças do movimento como o professor indígena Poró Borari, falando sobre a iniciativa histórica de uma juíza federal ir até a ocupação averiguar se as alegações do pedido de reintegração de posse procediam.
Thaigon Arapiun e o Conselho Indígena Tapajós e Arapiun mostram a realidade dos povos do Baixo Tapajós. A Mídia Indígena trouxe informações resumidas e verificadas, e o fotógrafo João Paulo Guimarães mostrou como funciona a máquina de robôs que contribuem para a desinformação, denunciada também por outros comunicadores.
O Tapajós de Fato tem feito uma cobertura de fôlego, tanto no Instagram quanto no site, e repercutiu a investigação do jornalista Adriano Wilkson, que descobriu gastos superfaturados da secretaria de educação com fones de ouvido para aulas online. Ontem, o Intercept publicou uma investigação de Wilkson e do jornalista Alan Bordallo sobre gasto de meio bilhão de reais em materiais didáticos com grupo de doador de campanha de Rossieli.
A Agência Carta Amazônia destacou a relação do movimento indígena com o movimento sindical de professores em Belém. A Amazônia Real expôs o uso de um avião fretado com verba pública para transportar indígenas aliados ao governador.
Há alguns anos, em uma provocação, eu escrevi que não há desertos de notícias na Amazônia. Enxergar a região como desértica, em termos de comunicação, é reforçar um estereótipo que queremos combater: o de que não há comunicadores e jornalistas boas e bons, ou de que as referências precisam vir de fora. Em ano de COP, é bom lembrar que existe aqui em Belém, no Pará e na Amazônia, que engloba nove estados diferentes e é um terço do território nacional, uma diversidade de pessoas comunicadoras, jornalistas, fotógrafas, videomakers e creators capacitadas a comunicar sobre nossa realidade. Conheça, siga, compartilhe, contrate, aprenda, respeite.
A luta pela garantia de direitos segue, e aqui na Énois, seguimos trabalhando para fortalecer esse ecossistema de informação que está articulado às periferias, aos territórios indígenas e tradicionais, e é fundamental para a manutenção da democracia no cotidiano.
O ano só está começando.